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Faz algum tempo que me percebo tentando mudar de hábitos. É essa “coisa” que faz com que você entre no café procure o mesmo lugar no balcão. Aliás, já começa com a escolha do mesmo local para tomar o dito breakfast. O simples fato de estar dizendo isso revela que não estou conseguindo êxito nessa empreitada.
Um artista, me dizem, deve estar sempre “aberto” ou “receptivo” para o novo, o inusitado, o diferente. No que concordo, porém, uma idéia é a concordância pura e simples e outra, a iniciativa para levar adiante atitudes que denotem, na prática, tal evidência. Ou seja, da busca pelo diferente, pela novidade, pela constante (re)descoberta do óbvio, enfim, estou tentando.
Sei que incorporar certos hábitos nos deixa mais preguiçosos porque é mais fácil repetir ações conhecidas que tentar descobrir outras para se chegar a um mesmo objetivo. Afinal, qual seria a importância prática de beber um café da manhã no boulevard da Lagoa, ou na estrada do Rio Tavares? O que é que muda? Nada, repito sem refletir muito.
Outro dia, como faço sempre (eu não disse que não estava adiantando nada?) fui até uma panificadora distante uns dois km da minha casa, poderia ter ido a pé, mas o tal vento sul não brinca e fiz o tradicional percurso do mesmo jeito. Como é de praxe, sentei no mesmo canto do balcão e o atendente pergunta “vai o de sempre?”... Olho para o sujeito enquanto ele repete “o bauru com uma média?”... Continuo observando para ver se ele não muda de idéia e revido “como é que você sabe?”. Ele responde “o senhor pede sempre a mesma coisa”. Tenho vontade de rir, mas me contenho e descubro que, na verdade, quem tem de mudar sou eu e não ele e me surpreendo afirmando “está bem, é isso mesmo”...
Ainda bem que não se podem ler pensamentos porque senão, o local seria pequeno para tanta gargalhada.
O café chega e fico observando a superfície do líquido. Tem algo estranho. Não identifico logo. O leite parece estar manchado com tinta marrom. Vou acompanhando o traço, parece uma letra, coisa interessante, penso, sigo vendo outra letra e mais outra, daqui a pouco me dou conta que está escrito “Bom Dia”. A saudação está de ponta cabeça, a alça da xícara no lado esquerdo, a moça que teve a idéia, brilhante iniciativa, acrescente-se, deveria ser canhota... Olho para o interior do balcão e digo em voz alta, “bonito, gostei, obrigado!”.
As duas atendentes me devolvem um sorriso de satisfação e agradecimento pelo trabalho, que saiu do convencional e foi prontamente reconhecido.
Aí me ocorreu observar os outros clientes para ver a atitude de cada um. O casal ali à mesa parece em lua de mel, não percebe nada, jogam o sache de açúcar de maneira convencional na xícara... O outro, um executivo, põe a colher na xícara sem desgrudar o olho do jornal...
É a maldição do hábito, penso, que faz com que não se percebe aquela sutil gentileza.
Quando estou saindo, a porta está fechada por causa do vento, observo a mulher levemente atrapalhada com uma criança no colo se aproximando pelo lado de fora, abro a porta e fico esperando que entre. Ela passa por mim, põe a criança no chão, e antes que se afaste, exclamo “não tem de quê”... Ela me olha surpreendida e diz “desculpe, obrigada”.
Volto lá, após uma viagem, alguns dias depois, a senhora do caixa me lembra da observação que fiz para a mulher com a criança... Sorrio e digo que certos hábitos nos escravizam tanto quanto a má educação
Peço o café (o de sempre) e fico surpreso porque não vejo o “bom dia” escrito com chocolate em cima do leite, devolvo a xícara para a correção, e sem o pretender, acabo de incorporar um novo hábito, mas digo para as balconistas considerarem o gesto como um elogio.
Elas riram, agradecidas... Huumm! --- Exclamo, menos mal!
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