Por Janer Cristaldo
Não me esperaste, Canário! E como eu tinha causos pra te contar depois
desta última campereada. Andei por plagas onde a geada era grossa de
mais de palmo e o pasto cresce só de teimoso. Montei nuns matungo de
duas corcova, de trote mais feio que potro redomão. Dancei com uma
indiada de semblante maleva, cara embuçada, que reboleava os mosquete
por cima da cabeça e terminava cada marca com um tiroteio. Ouvi uns
gringo falando uma língua que não era língua, mais parecia doença da
garganta. Vi uns maula tomando café com sal e comendo peixe podre, mais
sastifeito que guri roendo rapadura. Tirei até uns retrato desses causo
mais difícil de dar crédito. No meu peito sentia uma vontade de sentar
contigo no oitão da Casa e ir proseando entre um mate e outro. Não me
esperaste.
Levei muito tombo nestes rodeio da vida, só depois fui te entender. Um
dia abandonei teu rancho, fui pro povoado, me tornei letrado e não te
entendia. Acordavas antes dos galos e ias buscar as vacas naquelas
manhãs brancas de geada. As vacas já na mangueira, me acordavas para o
mate no galpão. Enquanto eu chorava com a fumaça da madeira verde, me
contavas as peleias de Martín Fierro, histórias de contrabando, brigas
de baile, intrigas de chinas. Eu só ouvia, era guri sem mundo. E agora
que eu tinha uns causos pra te contar, não me esperaste.
Não te entendia. Eu, o letrado, o doutor, não entendia tuas lidas.
Inverno e verão levantando cedo, apojando as vacas, tomando mate,
rasgando a terra com o arado, largando a semente e cortando a aveia,
colhendo o milho e fazendo a parva. Rasgaste tuas mãos alambrando,
derrubaste cercas do Uruguai e Brasil fugindo de peleias que não eram
tuas. Me ensinavas a encilhar um cavalo, clavar na volta-e-meia,
manguear perdiz pro mundéu, tirar lonca e trançar laço. E tudo isto me
parecia inútil. Eu não entendia teu lugar no universo. Um dia te
entendi. Não me esperaste. Leia mais. Beba na fonte.
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