“Por que queres abster-te da ação? Não é assim que a tua Alma conseguirá a liberdade. Para chegar ao Nirvana, é preciso chegar ao conhecimento de si próprio. E o conhecimento de si próprio é filho de ações caridosas. Tem paciência, como quem não teme falhar, nem procura triunfar”.
(HELENA P. BLAVATSKY, em A Voz do Silêncio, 1899)
Por Laercio de Melo Duarte
Todos dizemos que os 1,5 bilhão de muçulmanos no planeta são gente boa, que só querem rezar ao seu Alah de forma pacífica. No entanto, uma quantidade ínfima de militantes fanáticos e violentos é capaz de praticar os atentados que vimos em Paris há alguns dias, executados em nome de um Estado Islâmico que se instala no deserto entre Iraque, Síria e Turquia, onde enfrentam bombardeios das maiores potências mundiais. Além disso, constroem uma rede teocrática com outros grupos assassinos que desestabilizam os frágeis estados nacionais africanos. O que fazem os supostos 99% de islâmicos pacíficos no mundo, incluindo a elite muçulmana, seus líderes políticos e religiosos ? Observam.
Da mesma forma, se diz que os nazistas alemães eram um pequeno bando de malucos, liderados por um insano, que eram minoria extrema da gloriosa e culta nação germânica. Mas, a maioria silenciosa alemã achou bom que estes malucos tivessem resgatado o orgulho alemão perdido na Primeira Guerra Mundial. E achou melhor ainda as suas promessas de futuras glórias e bem estar, embora rissem da fantasia do reino de mil anos. Quantos seres humanos foram necessários morrer na Segunda Guerra Mundial, antes que a máquina de guerra nazista fosse destruída? Cerca de 85 milhões.
A Rússia era um enorme a atrasado país, religioso e bovinamente subordinado ao comando dos czares, quando os soviéticos de Lênin fizeram a revolução. Até que Stálin estabilizasse as lutas internas e colocasse o país em condições bélicas de competir com os Estados Unidos, 20 milhões de soviéticos foram assassinados pelo Estado. No outro front comunista de proporções continentais, a China, a consolidação do poder desde Mao Tsé Tung até os dias atuais, incluindo colocar o país literalmente de pernas pro ar na Revolução Cultural, custou aos chineses 70 milhões de mortos por motivos políticos.
Estes poucos exemplos mostram que a maioria silenciosa é irrelevante, quando se trata de tomar o poder e fazer com ele o que os poderosos têm feito ao longo da história. A democracia, como a conhecemos desde os tempos da Grécia antiga, é muito útil para se chegar ao governo e, depois dele, ao Poder. Mas, por si só, a democracia é insuficiente para manter a sociedade justa e organizada, em torno dos ideais de convivência pacífica entre diferentes visões para a gestão do Estado, enquanto entidade distribuidora de justiça, renda e cidadania. Platão já dizia que a Democracia traz dentro de si própria os germes de sua destruição. Um deles é a forma dócil com que a maioria silenciosa se deixa seduzir por lideranças messiânicas, bonitas, bem falantes ou que fazem promessas sem lógica, inatingíveis. Collor ganhou sua eleição à Presidência da República em 1989, por que basicamente era um moço bonito, que prometia acabar com a “política”, caçar “marajás” e outras asneiras. Como quase sempre acontece com líderes carismáticos sem pudor ou compromisso ético, acabou como um grande tirano. Só foi apeado do Poder, por que não o dividiu com outros oligarcas, confiando na sua liderança frente aos que ele chamava de “descamisados”, tentando transformar-se num novo Perón, ainda que lhe faltasse uma Evita convincente. Lula, por sua vez, já aprendeu com o ex adversário e, uma vez no Poder, constituiu outro tipo de tirania: o aparelhamento das instituições do Estado, em proveito de uma base militante mantida com recursos públicos, enquanto lança propostas de alianças políticas com forças de todo tipo e matiz político, desde que colaborem para manter no Poder o atual grupo político que o detém. Foi basicamente o que faltou a Collor, e é a razão pela qual as forças em torno de Lula resistem a tantos escândalos de corrupção e má gestão.
Do ponto de vista religioso, a maioria silenciosa quer mais do mesmo. No ocidente, segue a religião do estado romano, transformada em oficial lá pelo século IV d.c., afim de permitir ao Império Romano sobreviver um pouco mais, uns “poucos mais” de cem anos. A maioria silenciosa adora os discursos do Papa Francisco, mas não lhe ocorre perguntar que tipo de gestão ele está fazendo a partir do Vaticano. Ela não acredita que o Poder efetivo da Igreja Católica Romana está com os Cardeais e a Cúria Romana, e que, para mudar algo dentro da estrutura da maior igreja cristã, o Papa teria que fazer uma “limpa” geral. A maioria silenciosa não percebe que ele não quer ou não tem condições políticas de enfrentar esta questão, então, ele continua a fazer os mesmos discursos de sempre. Na frente chamada Evangélica (antigamente se dizia Protestante), talvez seja até pior, pelo menos no tocante a manipulação dos praticantes, como clientes muitas vezes de um sistema perverso.
Do ponto de vista político, a maioria silenciosa está quase sempre ao lado do Poder. Terminada a Segunda Guerra Mundial, era difícil encontrar um cidadão que tivesse apoiado o Nazismo; quase todos se diziam vítimas e perseguidos, mas, como explicar a manutenção de Hitler no poder por tanto tempo? Como Mussolini conseguiu seduzir um povo milenar como o italiano? A ditadura portuguesa durou quase 40 anos. No Brasil, tanto o Estado Novo como a Ditadura Militar duraram cada uma cerca de 20 anos. É sabido que estes regimes foram cruéis torturadores de inocentes, que primeiro desciam o sarrafo, depois perguntavam o que queriam saber de seus interrogados, no entanto, quando se questiona cidadãos comuns que viveram estes períodos, é comum responderem que “não se sentiam incomodados”. E sobre as violências e atentados às liberdades e direitos individuais? As respostas costumam ser chocantes: “A gente não se metia, então, não tinha por que se preocupar”. É o típico posicionamento político da maioria silenciosa: não se envolver.
Mesmo no lado dos mudancistas, observa-se um comportamento sectário. Por exemplo, há um movimento político que pede a intervenção dos militares para assumir o sistema de governança no Brasil. Ainda que esse pedido venha disfarçado como “intervenção militar constitucional”, parece a mim, pelo menos, que eles querem o velho e manjado “golpe militar”. Ao perceberem que os atuais comandantes das forças armadas não estão dispostos a essa atitude, o grupo intervencionista passa a acusações ostensivas, algumas até ofensivas, de que as autoridades militares estão omissas “diante de um governo de ladrões”, como costumam sutilmente fazer suas propagandas disfarçadas de acusações genéricas. Neste caso, não há qualquer diferença de atitudes quanto ao tipo de intervenção política, não importando se quem a faz é de direita, de esquerda, renovador ou reacionário. A maioria silenciosa continua indiferente, por isso mesmo, nenhum movimento de mobilização política tem surtido efeito no país nos últimos anos. De forma geral, os cidadãos que se envolvem na política são os que tomaram posição por um lado que já atua de modo organizado, defendendo causas próprias. Neste caso, é chover no molhado. Nada virá de novo deste front. Nenhuma consciência política mais desinteressada, nenhum tipo de intervenção orientada ao aprimoramento da representação popular, para melhorar o nível do parlamento, que nas democracias é o espaço destinado a resolver as controvérsias e disputas, encaminhando decisões que atendam aos interesses consensuais da Nação, enquanto povo organizado.
Teoricamente, a maioria silenciosa se pronuncia através do voto. Não é suficiente. De nada adianta escolher um candidato para fazer a gestão da cidade, do estado ou do país, ou escolher o seu representante no parlamento, e depois abandoná-lo à própria sorte ou deixá-lo livre para fazer o que bem entender com o voto “carta branca”. Em síntese, o que falta na nossa sociedade é participação política com consciência e qualidade. As maiorias silenciosas necessitam de preparo para exercer esta complexa missão. A questão efetivamente importante é se isso interessa a mais alguém, além dos idealistas e distraídos.
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