terça-feira, 12 de julho de 2011

EMPREGADA (em resposta ao post de Emanuel Vieira presente no blog do canga)

Há uma polêmica instaurada em torno do alto índice de reprovação no último exame para ingresso na OAB. E aqui, vale o trecho daquela canção:

"Moça que fala difícil e quer se exibir,
Só porque é bacharel em direito!
De que vale toda esta eloquência,
Se tu não passou na segunda fase da prova 
Da OAB!"
    Uma série de opiniões, artigos, matérias, etc, acerca do tema, pipocaram, instaurando um debate acirrado e polêmico em torno da qualidade de ensino, da plausibilidade de conceder permissão às instituições particulares para o ensino e formação do profissional da área jurídica, do grau de exigência e rigor da OAB na confecção de sua prova... Mas, não se trata disso que quero discorrer.

    Quero discorrer de visões e pontos de vistas elitistas que ainda perduram neste país, consciente (ou inconscientemente) na psique de muitos considerados letrados e pertecentes à casta alta de nossa sociedade. E como exemplo, usarei o texto de Emanuel Medeiros Viera, presente no blog do canga, no link que segue: http://cangarubim.blogspot.com/2011/07/oab.html .

    Neste texto/artigo, o autor discorre justamente sobre aquilo que abordei acima, a saber, a situação corrente envolvendo o exame da Ordem e, lá pelas tantas (em uma crítica que este autor faz ao pouco caso que esta nova geração faz do ato de estudar, do pouco interesse que esta nova geração teria pela Língua Portuguesa) ele, em um parágrafo, arremata:
"Quanto à Língua Portuguesa (“nossa Pátria”), muitos jovens não sabem nem escrever um bilhete para empregada. No geral, leem muito pouco. Mas sabem tudo sobre engenhocas eletrônicas."

    E arremata mal ao meu ver, pois, neste parágrafo, está arraigado aquela realidade metafísica que persiste em não desaparecer: a do elitismo, a da distinção de castas, a da esteriotipatização. Realidade esta nociva (e a História - não a oficial, é claro! - endossa o que digo) - porém, persistente e dominante, ainda que sutilmente.

    Pois, quando é proferido "...não sabem nem escrever um bilhete para empregada.", o que isto significa? Ora, nobre leitor, muito mais inteligente e sagaz do que eu! Não se faz necessária uma densa hermenêutica (não é assim que os juristas tratam o interpretar?) para descobrir o sentido disto! Significa que, os jovens não são capazes de escrever um simples bilhete para o mais tenro asno (empregada). Pois, historicamente, não foi assim constituída a imagem do subalterno, do serviçal, do escravo, daqueles dedicados aos trabalhos de criadagem? Seres eficazes na limpeza da casa e outras tarefas braçais, porém, destituídos de qualquer racionalidade? Não foi assim?

    Evidente que o curso do tempo modificou muito antigos padrões de cinquenta anos para cá, porém, alguns arquétipos ainda persistem e, o da empregada é um deles. Portanto, vamos juntos, de maneira realista, caracterizar os principais atributos do arquétipo empregada:

#Mulher
#Negra, ou parda ("Ué! Mais raça não existe!" Tá bom...)
#Baixa escolaridade
#Ingênua ou promíscua (sendo que pode ter estas duas características unidas)

    Portanto, quando nosso autor coloca "...não sabem nem escrever um bilhete para empregada.", é desta empregada que se fala e eu não tenho dúvidas disso, vide, reiterando, este arquétipo que perdura, ainda hoje, mesmo com todas as "engenhocas eletrônicas". Uma premeditada ação de nosso autor? Evidente que não! Vê-se claramente que tal parágrafo é escrito no, digamos assim, "piloto automático", sendo que a citação do termo empregada vem à tona, justamente, por conta deste esteriótipo existente na psique de muitos que cresceram tendo esta idéia fixa em mente não porque quiseram (reparem) mas pelo fato de a sociedade (repetindo o argumento) ter construído este arquétipo que se enquadra em determinados seres humanos que, convencionalmente, nele se enquadram, ainda que assim não se vejam.
"Bom, então isento de culpa está o nosso autor!" De jeito maneira. Um nobre homem de letras tem de ter o discernimento de quebrar em sua psique padrões engessados e ultrapassados que, no cerne, foram frutos de muitas humilhações e violências mil. A mesma preocupação que há acerca do pouco caso que os jovens fazem da leitura, por exemplo, tem de haver para a desconstrução de esteriótipos que colocam em cheque a dignidade de um dado ser-humano que, forçosamente, se enquadra em um esteriótipo pré-determinado, ainda que, reiterando, ele não se identifique assim.

    Trata-se de um ranço meu, um recalque, um radicalismo de minha parte? E agora? Não sei dizer sinceramente, porém, a única coisa que sei é que viva é em minha mente, as lembranças de quando criança, muito pequeno, acompanhando minha mãe (negra e empregada doméstica na época) destituída de quase nenhuma auto-estima, recebendo ordens de uma patroa que a considerava burra, incapaz de compreender um simples bilhete, mas que porém, era ótima nos afazeres da casa. É para minha mãe, cristalizada no passado, que os jovens do referido autor "...não sabem nem escrever...".
    A característica dos grandes homens de letras (e eu estou longe de ser um deles, pois, certamente, há erros gramaticais por aqui) é a sensibilidade, o cuidado, ao construir uma sentença qualquer. E isto faltou, e faltou muito, para o senhor autor.
Florianópolis, 12 de julho de 2011.
Cleber Caetano Maranhão

Estimado Sérgio
A mensagem abaixo é  do Carlos Mota, humanista português que mora no Porto.
Quando fomos a Portugal, numa viagem cultural em junho de 2009, ele foi o nosso bom guia.
Pela vida!
Abração do Emanuel

 
Caro Emanuel
    Artigo excelente, de conteúdo merecedor de grande reflexão. Infelizmente, esse problema é transversal a todas as áreas académicas, cá também, razão por que o OA de cá - que tem um homem ao leme fortemente contestado pelas elites instaladas e dominadoras, mas que não se deixa intimidar pelos barões e baronetes de serviço - também tomou posição sobre isso.
    Achei piada pela observação astuta do amigo que alertou para o conteúdo classista do termo "empregada". Mas a sua réplica foi boa e esclarecedora, dissipando qualquer dúvida sobre essa questão. Parabéns.
    Só uma observação, esta destinada a quem exige rigor, como o seu colega de profissão: a palavra "cheque" naquele contexto está errada, deveria ser "xeque".
     Um abraço amigo
      Carlos Jorge Mota  



Haylor Delambre Jacques Dias deixou um novo comentário sobre a sua postagem "EMPREGADA (em resposta ao post de Emanuel Vieira p...": O comentário de Cleber Caetano Maranhão foi infeliz em sua hermenêutica do que disse o outro comentarista, Emanuel Medeiros Vieira. Ao referir ao fato dos bacharéis em direito não serem capazes de escrever um bilhete para empregada, Medeiros certamente queria antes ressaltar a incapacidade mental destes bacharéis e não estereotipar as domésticas. O que Medeiros quis dizer, no meu entendimento, com bilhete para empregada é que são escritas de conteúdo muito objetivo e simplificado, pois que são orientações sobre as atividades cotidianas de limpeza da casa, como por exemplo, "lave as roupas", "encere o piso da sala", "regue as plantas", entre outras de igual conteúdo. Penso que o Cleber misturou alhos com bugalhos ao tentar interpretar de forma tendenciosa e vitimizadora as colocações que Medeiros fez em relação à inépcia, incompetência e ignorância grassantes no meio jurídico atual. Ps: Também sou filho de uma empregada doméstica de quem me orgulho pelo exemplo e por não se curvar às circustâncias por saber que lutar é mais importante que vencer.

De Emanuel vieira:
Caro Sérgio
Alguém disse que toda a explicação é uma forma de destruição.
Minhas "secretárias domésticas" (não é o termo que revelará o tratamento que dispensamos aos seres humanos) foram segundas mães. São até hoje.
Não é, dona Antonieta?
Não é, dona Florisa?
Não é Suzana?
Ou amiga, como a Antônia - que tem a cor da Bahia.
É da minha minha família espiritual.
Escrevi  "empregada", é claro, não para esqualificar a  nobre função, mas para mostrar o baixo nível  educacional da juventude brasileira.
Mas é fácil atribuir aos outro nossos eventuais erros.
Peço desculpas pela forma que empreguei o termo (não pelo resto do texto) - se alguém se sentiu ofendido. Quem me conhece, sabe que não foi essa a intenção.
Muitos podem se aproveitar do "deslize" (está bom?), do termo "infeliz" (tudo bem?) como álibi ou mecanismo compensatório para torpedear o resto do texto.
A análise está boa.
Espero não ser chamado pela Santa Inquisição ou queimado em algum auto de fé....
Do purgatório, eu sei, não escaparei.
Com a sincera estima do Emanuel Medeiros Vieira*
*Estudem, jovens!


Comentário: Se não fossem santas, seriam empregadas. E as são, muitas vezes as duas, numa só. Lavam as roupas, preparam a comida, limpam o chão e as privadas e, ainda ajudam na educação dos filhos da casa com aquilo que sabem: Dar carinho.
Tem as ladras, as cínicas, as falsas. Tem, como seus patrões muitas vezes o são. Mas, é aquela mão, muitas vezes preta, outras vezes branca que faz nosso pão.
m.b.

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