Hemingway |
Meu sempre caro Milton
Bom dia!
Alvíssaras!
Meu
mais sincero propósito - o mais fundo possível - nesta mensagem é o de te
agradecer.
As tuas
preciosas "dicas" e orientações para a viagem à Cuba foram
importantíssimas e, sinceramente, maravilhosas.
Enviaste
uma mensagem grande, didática (no melhor sentido do termo), depois uma
suplementar.
De cima
para baixo, impressas, andei com ela por Havana.
resumindo, sumarizando: ficamos encantados com a
viagem.
Dez dias mas com avião, escala, conexão, esperas
(via Panamá), em cuba mesmo uns oito dias e meio.
Encantei-me
com o povo: caloroso, amigo, fraterno.
dançante. Vi belas morenas dançando salsa.
Em Varadero, fizemos amigos que estavam descansando também no hotel de lá.
Mas
houve tanta empatia que nos convidaram para irmos às suas casas em Havana. Letícia, uma amiga, que trabalha numa fábrica de charutos, nos levou lá e
indicou, ofereceu um ótimo guia para nos explicar tudo, mostrar a fábrica, ver
os operários trabalhando.
A partir
da tua ideia de contratarmos um táxi, combinando o preço antecipadamente,
fizemos uma amizade muito forte (parece mentira) com um engenheiro mecânico que
havia trabalhado em Angola, e criou-se um clima ótimo, maravilhoso.
Tivemos
duas vezes em Havana.Depois da primeira, até pelo meu
tumor,descansamos uns dias em Varadero (águas límpidas), e depois
voltamos para Havana (de novo).
Só no museu Hemingway passamos quase uma manhã
toda.
Emocionei-me
- foi na primeira estada - muito no Museu da Revolução.
O sentimento
do não esquecimento, do não olvido, da ausência de oblívio, para mim é
fundamental na vida.
Pela
memória, pelos combatentes. (ah, levei
muitas canetinhas, muitas folhas de papel, fichas, a célia cremes, batons,
sabonetes, biscoitos, lápis para mulheres, para pintar sobrancelhas,
muitas coisinhas).
Uma
camareira do hotel em que ficamos nas duas vezes em Havana (hotel Presidente),
criou um laço muito terno conosco, deixou, no final, um bilhete em inglês (ah,
instrução, ah, formação..), e disse estar aprendendo italiano e alemão - vi
muitos turistas destas nacionalidades e do Caribe, e conversei bastante com um
catalão muito consciente.
Não
digo nada de novo, mas a educação e a saúde me impressionaram muito, e não sei
como dizer, uma ausência de sentimento de consumismo, daquele febre da
burguesia brasileira com volúpia de comprar, comprar comprar, de ir para Miami
- adquirir objetos, sempre "comprando", nunca "sendo" -
perdoa a filosofice.
A Havana
antiga, arquitetonicamente, é estupenda, como o povo mais simples.
Sim,
fomos à "Bodeguita del Medio" - com o mesmo cardápio há mais de 70
anos -, "La Floridita" - frequentado por Hemingway, tem lá até uma
estátua dele - , na sorveteria Copppelia - onde ocorreu uma conversa com um
garçom incrivelmente preparado e instruído e-, conhecemos o hotel Nacional (que
como informaste, foi uma espécie de sede da máfia, e outros lugares, muitas
outras coisas, como a Biblioteca Nacional José Marti, perto da Praça da Revolução, uma estupenda biblioteca.
Uma
amiga, que trabalha com a Letícia (outra amiga) na fábrica de charutos -
convidou-nos para um ritual da "santeria", que lembra a nossa
macumba, mas algo mais serenado. Mas fiquei feliz pela confiança. aqui o ritual é
só para cubanos. Algo muito bonito.
Eu e Célia ficamos muito tocados pela confiança.
Num local, onde um canhão é acionado todos todos
os dias, todos (às 9 da noite, pontualmente - o ritual começa meia hora antes,
mais ou menos -, seguindo uma cerimônia de muitos anos- bonito, demorado,
o meu amigo Osmary, leu em espanhol a carta de despedida de Che a Fidel, e
fiquei muito emocionado - naquela noite de Havana, com uma linda vista de
toda a cidade, a antiga e a nova.
Não
estou mitificando. São 57 anos de embargo (ou de "bloqueio", como os
cubanos intitulam). E não falei do poder.
E prefiro, neste momento, não meditar sobre
isso.
Na Avenida
Molecon, de 7km. (o pessoal namora, pesca, conversa, bebe) andamos muito -
em algo, lembra a avenida beira mar norte, em Florianópolis, andamos muito.
Fiquei
muito impressionado com a segurança, nós que vivemos num país violento,
banalizado pelo mal, isso é impressionante.
alguns dizem que, como cuba depende muito do
turismo e do dinheiro enviados de fora, há um estatuto não escrito: não mexam com turistas- assaltantes vão para
o além.
Teria
muito mais coisas para te contar, mas não te cansarei - pelo menos agora.
Só num
restaurante, caro, vi umas mocinhas que serviam um tanto ousadas, mas
pessoalmente não vi prostitutas. Mendigos? dois, um num hotel, enquanto
assistia a um show de salsa, e uma pessoa em andrajos vendendo jornais (não vi
bancas de revistas, é é muito difícil encontrar jornais), mas conheci Havana
por um homem da cidade (ele nasceu no interior, Pilar del Rio, acho que o nome
é esse, mas vive há muitos anos em Havana).
Abraços
no teu querido irmão, também meu velho amigo (desde fevereiro de 1970,
como tu) Rubem Mauro que, oralmente, também deu dicas para mim. Sou grato a
ele.
Avante!
Abraços
Emanuel Medeiros Vieira*
*Não
escrevi antes, porque a semana que precede à aplicação quimioterápica não é fácil. Fiz ontem (dia 9 de outubro, sexta-feira) a
quimioterapia, agora reforçada em 50 porcento, porque na consulta anterior, em
11 de setembro, através de um complexo exame (devo ter contado) feito em Brasília, foi revelado que o quadro havia piorado.
Vamos ver o resultado. Não me entrego. Continuo
lendo, escrevendo diariamente, lendo também todo os dias, amando, produzindo e -
como no filme de Bergman ("O sétimo selo") - eu sei, disputando uma
partida de xadrez com a morte, sigo com esperança e fé na vida!
E agradeço todos os dias pelo dom da vida -
com garra, dor, luz - vivida até aqui: 70 anos.
Com o colega marxista (que tem terços em seu
carro), orei na catedral de Havana. Releva os erros de digitação.
Abraço afetuoso grato do teu amigo velho,
com irrevogável estima, Emanuel (e da Célia, grata).
Para desdramatizar um pouco...contaram-me no Museu
Hemingway que Mussolini, o ditador italiano, mandou um cheque em branco para
que o escritor cobrasse o que bem quisesse pela cabeça de um veado
que havia caçado na África (há que contextualizar e não julgar Hemingway-
era um pescador, um caçador e um escritor excepcional).
Hemingway
respondeu no verso do cheque: “Mussolini: se quiseres uma cabeça de veado, como
está, vai à Africa e caça. não vivo para caçar, caço para viver".
Quero problematizar a burocracia do
regime em alguns aspectos, mas deixarei para depois. Não quero que a carta
fique enorme...
Não fui comprado pelo regime, nem pela cia.
cheguei à Havana um dia depois da visita do Papa, que causou muita comoção.
O papel
desta grande figura na aproximação dos Estados Unidos com Cuba foi fundamental.
E será mais ainda. Pela paz entre os povos!
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