domingo, 21 de março de 2010

DIÁRIO DA PROVYNCIA IX



A SEGUNDA MORTE DE JOHNNY ALF

Olsen Jr.

(olsenjr@matrix.com.br)

O descaso pelo talento (musical, literário, artístico) de alguém que se conhece e que (con)vive em nosso meio não é um atributo “só” brasileiro. Tampouco, a apropriação do produto desse talento de maneira efetiva, mas dissimulada por (e para) terceiros, a pretexto de um “novo” aprendizado paralelo e espontâneo como um esforço individual independente constitui-se em algo novo ou pode ser tomado como se fosse um comportamento “original”.

Em 1938, o escritor Scott Fitzgerald, já convivendo com a colunista Sheilah Graham, descobre por acaso no “Los Angeles Times” que o teatro Pasadena iria apresentar uma versão teatral do conto “O diamante tão grande quanto o Ritz”... Julgando ser um aceno para um futuro début na Broadway, ele e Sheilah comparecem ao evento em uma limusine com motorista e vestidos a rigor... Mais tarde descobrem que se tratava de um ensaio com um grupo universitário, e um deles – ao percebê-los na assistência elegantemente vestidos – indaga quem são? --- “Sou Scott Fitzgerald, responde --- o autor do texto”... “O quê! Surpreende-se o universitário --- você está vivo?”.

Algumas pessoas carregam essa aura, transformam-se em “lendas” ainda em vida, como ocorreu na música com Roy Orbinson, por exemplo... E com o nosso Alfredo José da Silva, heterônimo Johnny Alf, seu nome artístico.

Ambos foram gradativamente esquecidos, deixados de lado, a diferença é que o músico norte-americano teve o resgate de sua história e importância processadas em vida e morreu com o pé na estrada tocando na banda “The Traveling Wilburys”, junto com George Harrison, Bob Dylan, Jeff Lynne, Tom Petty e Roy Orbison, naturalmente e por puro diletantismo...

O pai de Alfredo era cabo do exército e morreu quando o menino tinha três anos de idade. A mãe era empregada doméstica e foi na família onde ela trabalhava que ele encontrou apoio para estudar piano. Por seis anos estudou música clássica, mas não resistiu ao apelo popular de seus ídolos, Cole Porter e George Gershwin e as trilhas sonoras dos filmes norte-americanos. Foi no Instituto Brasil-Estados Unidos onde aprendeu inglês e ganhou o apelido, adotado posteriormente, os professores o chamavam de Alf e uma amiga sugeriu o Johnny e aos 14 anos formou sua primeira banda.

Aos 25 anos quando tocava em boates, clubes, bares eram assíduos na platéia algumas figuras que ganhariam notoriedade como músicos, compositores e intérpretes, entre eles, Carlos Lyra, Sylvinha Telles, Lúcio Alves, Tom Jobim, Billy Blanco, João Donato, Dolores Duran, João Gilberto, Newton Mendonça, Bebeto Castilho, Roberto Menescal e Nara Leão, entre outros.

Juntar o ritmo do samba com as harmonias do jazz e da música erudita, isso o tornou único e também o fizeram conhecido. Aquele jeito intimista de cantar, como se estivesse sozinho em uma sala, que hoje causa admiração em João Gilberto, well, Johnny Alf já praticava no início da década de 1950...

... Mas os cultuadores da bossa-nova que chegou depois, nunca lhe deram crédito...

Reconhecimento que ele talvez não esperasse, mas que estava sempre muito aquém do seu virtuosismo. Tom Jobim o chamava de “Genialf”.

Luís Antônio Giron em seu texto crítico por ocasião da morte do artista, na Revista “Época”, afirma que “Johnny Alf não foi um “precursor”, como todo o mundo repete sem pensar. É melhor chamá-lo de fundador da moderna canção brasileira”.

Cidadão humilde, tímido e como todo homem de talento, extremamente generoso com aqueles que tentavam lhe seguir os passos, mesmo não lhe reconhecendo publicamente a influência.

A morte num asilo de velhos (casa de repouso é o cacete) em São Paulo, no dia 04 de março, aos 80 anos, do artista, compositor, músico de gênio, Alfredo José da Silva, digo, Johnny Alf, deve ter surpreendido todos que o conheceram, os que se lembravam que ele havia existido, os amigos que se afastaram dele e até e principalmente aqueles que beberam na fonte, no que era cult com o nome de samba-jazz (cinco anos antes de a bossa nova nascer) estes, como se viu na televisão, num misto patético e hipócrita de espanto e arrependimento, num pranto repetido quase afirmando, numa paródia daquele universitário em 1938 falando de Fitzgerald, “mas ele já não estava morto!”.

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