Por Henrique Gualberto Bruggemann*
O educador e filósofo pernambucano Paulo Freire, aquele que pensava na educação e no processo de alfabetização como fatores responsáveis pela libertação dos oprimidos, infelizmente faleceu no ano de 1997.
Em sua última entrevista, o professor foi indagado sobre as marchas e se disse absolutamente feliz por estar vivo e ter a oportunidade de acompanhar a marcha dos sem-terra, a qual “como outras marchas históricas revelam o ímpeto da vontade amorosa de mudar o mundo” e lamentou profundamente que seu amigo Darcy Ribeiro não possa vivenciar e sentir essa marcha.
Salientou, também, que as marchas são “andarilhagens históricas pelo mundo” e que os sem-terra constituem a expressão mais forte da vida política e cívica de nosso país.
Por fim, deixou claro que morreria feliz se visse o Brasil “cheio de marchas, de marchas dos que não tem escola, marcha dos reprovados, marcha dos que querem amar e não podem, marcha dos que se recusam a uma obediência servil, marcha dos que se rebelam, marcha dos que querer ser e estão proibidos de ser”. E fez um apelo, para que essas marchas se
desabrochem, tendo em vista que “nos afirmam como gente, como sociedade que democratiza-se”.
Passados mais de dez anos do falecimento de Paulo Freire, vemos crescer no Brasil diversas marchas, como a Marcha da Maconha, Marcha das Vadias e a Marcha da Liberdade.
Surgiu então a questão, especificamente no caso da Marcha da Maconha, mas que pode ser aplicada a outras, acerca da possibilidade desta constituir apologia de fato criminoso, ilícito positivado no artigo 287 do Código Penal ou, de outro lado, exercício da liberdade de reunião, direito de petição e livre manifestação do pensamento, sendo que foram proferidas decisões
judiciais em ambos os sentidos.
A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 187, a qual foi julgada no último dia 15, oportunidade em que, por unanimidade, os Ministros entenderam que a marcha traduz a liberdade de reunião e de expressão e pensamento.
Além disso, afirmaram que o artigo 287, do Código Penal deve ser interpretado no sentido de não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas (interpretação conforme a Constituição).
Sendo assim, reafirmou-se o regime democrático e a função contramajoritária da Corte de proteção das minorias contra excessos da maioria e do Poder Público. Isto, sem se adentrar no mérito da questão, ou seja, se o uso de cannabis deve ou não deixar de ser ilícito, pois a Lei nº
11.343 já promoveu a sua descarcerização.
Diante desse quadro, deixa-se consignado que Paulo Freire agradeceria ao Supremo Tribunal Federal por essa importante decisão que coloca a Corte Constitucional como protetora da intangibilidade e garante da supremacia da Constituição, além de garantir a atividade das marchas tão caras ao professor e a “todos” nós.
* Advogado especialista em Direito Público e Mestrando em Direito pela UFSC.
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