Meu Pai era Getulista. Temos até hoje, na parede da sala de casa, a sua carta de nomeação como Guarda Aduaneiro assinada pelo Getúlio. Quando novo, fez um estágio na guarda pessoal do Gegê em São Borja. Tudo gente boa.
Lembro das revistas Fatos & Fotos que guardava com uma quantidade de imagens da morte e do enterro do presidente trabalhista. Volta e meia tirava as revistas de um armário e mostrava para nós, após a janta. Na época, Quaraí tinha luz até às 9 horas da noite. As leituras comentadas se davam à luz de um farol a querosene que espalhava sombras pelo ambiente tornando mais trágica aquela narração. Lia as matéria em voz alta e chegava às lágrimas lembrando do Pai do Povo.
Quando falava o nome do "Corvo", Carlos Lacerda, ficava colérico e lhe atribuía toda a culpa pelo suicídio de Getúlio. Tampouco gostava do "Anjo Negro", o guarda-costas Gregório Fortunato, a quem também atribuía o suicídio. Este ódio talvez tivesse uma origem bem mais antiga do que o acontecimento político. A leitura das reportagens sempre eram entermeadas com passagens pessoais que contava com um certo orgulho. Uma delas pode ter gerado esta "encrenca" com o Gregório.
Contava o pai que certa vez Getúlio foi visitar Quaraí. Foi recebê-lo no "campo de aviação" e levou de presente uma caixa de "legítimos" charutos cubanos Montecristo comprados em Montevidéu especialmente para a ocasião.
Getúlio recebeu, agradeceu e passou a caixa para Gregório Fortunado guardar. Gregório teria "jogado", sem cuidado, a caixa em uma bolsa que carregava. Isso gerou um sentimento ruim em meu pai. Acho que, para o Pai, Getúlio deveria ficar andando com a caixa de charutos nas mão durante a visita. Era engraçado. Toda a vez que ouvíamos essa história, eu e meu irmão, nos olhávamos e ríamos, em silêncio.
A Carta de Testamento
Mas de tudo isso o que mais me marcou na vida foi a Carta de Testamento de Getúlio. A frase "Saio da vida para entrar na história" nunca mais saiu de minha cabeça. Sempre que a ouvia me emocionava.
Durante muitos anos o Pai, como vereador, batalhou para que fosse recolocada na praça de Quaraí, uma Carta Testamento que, numa certa noite, havia sido arrancada "pelos reacionários da UDN" durante o golpe militar de 64.
Havia mandado fazer uma em Porto Alegre, em segredo, e escondeu-a em cima da gargem, onde só ele entrava. É claro que tanto mistério aguçava minha curiosidade e um dia peguei a chave e fui até a sala secreta. Descobri uma grande placa de antimônio e chumbo, a mesma liga dos tipos tipográficos, de 2,0 m x 0,60 cm, tapada por uma velha colcha de xenilha vermelha.
Era a famosa Carta de Testamento do Getúlio. As letras eram de broze, pareciam ouro. Li de uma sentada só quase perdendo o fôlego. Depois lentamente, fazendo a pontução.
Lembro das revistas Fatos & Fotos que guardava com uma quantidade de imagens da morte e do enterro do presidente trabalhista. Volta e meia tirava as revistas de um armário e mostrava para nós, após a janta. Na época, Quaraí tinha luz até às 9 horas da noite. As leituras comentadas se davam à luz de um farol a querosene que espalhava sombras pelo ambiente tornando mais trágica aquela narração. Lia as matéria em voz alta e chegava às lágrimas lembrando do Pai do Povo.
Quando falava o nome do "Corvo", Carlos Lacerda, ficava colérico e lhe atribuía toda a culpa pelo suicídio de Getúlio. Tampouco gostava do "Anjo Negro", o guarda-costas Gregório Fortunato, a quem também atribuía o suicídio. Este ódio talvez tivesse uma origem bem mais antiga do que o acontecimento político. A leitura das reportagens sempre eram entermeadas com passagens pessoais que contava com um certo orgulho. Uma delas pode ter gerado esta "encrenca" com o Gregório.
Contava o pai que certa vez Getúlio foi visitar Quaraí. Foi recebê-lo no "campo de aviação" e levou de presente uma caixa de "legítimos" charutos cubanos Montecristo comprados em Montevidéu especialmente para a ocasião.
Getúlio recebeu, agradeceu e passou a caixa para Gregório Fortunado guardar. Gregório teria "jogado", sem cuidado, a caixa em uma bolsa que carregava. Isso gerou um sentimento ruim em meu pai. Acho que, para o Pai, Getúlio deveria ficar andando com a caixa de charutos nas mão durante a visita. Era engraçado. Toda a vez que ouvíamos essa história, eu e meu irmão, nos olhávamos e ríamos, em silêncio.
A Carta de Testamento
Mas de tudo isso o que mais me marcou na vida foi a Carta de Testamento de Getúlio. A frase "Saio da vida para entrar na história" nunca mais saiu de minha cabeça. Sempre que a ouvia me emocionava.
Durante muitos anos o Pai, como vereador, batalhou para que fosse recolocada na praça de Quaraí, uma Carta Testamento que, numa certa noite, havia sido arrancada "pelos reacionários da UDN" durante o golpe militar de 64.
Havia mandado fazer uma em Porto Alegre, em segredo, e escondeu-a em cima da gargem, onde só ele entrava. É claro que tanto mistério aguçava minha curiosidade e um dia peguei a chave e fui até a sala secreta. Descobri uma grande placa de antimônio e chumbo, a mesma liga dos tipos tipográficos, de 2,0 m x 0,60 cm, tapada por uma velha colcha de xenilha vermelha.
Era a famosa Carta de Testamento do Getúlio. As letras eram de broze, pareciam ouro. Li de uma sentada só quase perdendo o fôlego. Depois lentamente, fazendo a pontução.
Finalmente coloquei a entonação dos grandes tribunos e pronto: lá estava eu transformado em um grande político. A carta é uma pérola como peça de discurso político.
Durante muitas tardes da minha vida visitei a placa até decorar todo o seu conteúdo. Um certo dia, na "repartição" do Pai, onde eu ía diariamente na saída do Colégio Brasil, escutei-o conversando sobre o "Gegê" Vargas com os colegas. Para surpresa de todos os presentes comecei a discursar a Carta de Testamento. Foi um show. Nesse dia fui para casa de auto com o Pai. Orgulhoso!
Nei Duclós comenta
Que bela história! Parabéns, Canga, por esta peça maravilhosa de memória e de política. Emocionante. O legado de Vargas assumido pelo pai e que foi transmitido ao filho nos serões familiares, nas conversas na hora da mesa.
Não tenha dúvidas, amigo, mais do que tuas outras leituras, mais do que as experiências depois desses fatos que narraste, foste formado por essa herança, por essas histórias à luz de querosene e por essa carta, que é o mais importante e brilhante texto político do Brasil soberano.
"Getúlio Vargas é o inventor do Brasil moderno". Samuel Wainer.
Durante muitas tardes da minha vida visitei a placa até decorar todo o seu conteúdo. Um certo dia, na "repartição" do Pai, onde eu ía diariamente na saída do Colégio Brasil, escutei-o conversando sobre o "Gegê" Vargas com os colegas. Para surpresa de todos os presentes comecei a discursar a Carta de Testamento. Foi um show. Nesse dia fui para casa de auto com o Pai. Orgulhoso!
Nei Duclós comenta
Que bela história! Parabéns, Canga, por esta peça maravilhosa de memória e de política. Emocionante. O legado de Vargas assumido pelo pai e que foi transmitido ao filho nos serões familiares, nas conversas na hora da mesa.
Não tenha dúvidas, amigo, mais do que tuas outras leituras, mais do que as experiências depois desses fatos que narraste, foste formado por essa herança, por essas histórias à luz de querosene e por essa carta, que é o mais importante e brilhante texto político do Brasil soberano.
"Getúlio Vargas é o inventor do Brasil moderno". Samuel Wainer.
Que bela história! Parabéns, Canga, por esta peça maravilhosa de memória e de política. Emocionante. O legado de Vargas assumido pelo pai e que foi transmitido ao filho nos serões familiares, nas conversas na hora da mesa.
ResponderExcluirNão tenha dúvidas, amigo, mais do que tuas outras leituras, mais do que as experiências depois desses fatos que narraste, foste formado por essa herança, por essas histórias à luz de querosene e por essa carta, que é o mais importante e brilhante texto político do Brasil soberano.
"Getúlio Vargas é o inventor do Brasil moderno". Samuel Wainer.
Caro amigo, Canga.
ResponderExcluirVocê sempre nos surpreendendo com resgates históricos, através de uma belíssima narrativa. Agora entendo o porquê da tua eloquencia verbal. Vem sendo preparado desde pequenino...
abraço fraterno
Luiz Carlos Padilha