Por Marcelo Ramos Peregrino Ferreira
Nós temos que vivificar a Constituição. (...) Temos que querer que a ordem jurídica tenha também um sentido ético. Não basta que a ordem jurídica seja um princípio, ou seja, um princípio lançado no papel. É preciso que haja uma substância ética na ordem jurídica, e a Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, quando tem como dever a proteção da ordem jurídica, ela tem o dever de nessa proteção, ou ter a necessária compreensão do que aí se passa, de enfrentar e denunciar a ordem jurídica, a legislação, os atos, o que seja, que contrariem a ética. (...) A Ordem é o único, quer dizer, o advogado é o único profissional que é obrigado a contender com o poder. O médico, não é, o agrônomo não é, o arquiteto não é, nenhum. Agora, o advogado é obrigado a enfrentar o poder.
Miguel Seabra Fagundes – XII Conferência Nacional da OAB, Outubro de 1.988.
Mais polêmica à vista e novamente tendo como objeto a formação do quinto constitucional. Sobre o assunto já se manifestaram Elio Gaspari (www1.folha.uol.com.br, A desordem da Ordem esbarrou no STJ, 17/02, www1.folha.uol.com.br - O Supremo Tribunal reprovou OAB-SP, 13/4) e Mariz de Oliveira (www.marizdeoliveira.com.br, Magistratura não é emprego) em excelentes artigos sobre o tema. Pois agora surgem novamente duas vagas para advogados no TJ/SC. O processo segue com a formação de duas listas com seis nomes cada, dentre advogados com notório saber jurídico, reputação ilibada e dez anos de efetiva atividade profissional escolhidos pelo Conselho Estadual. Esta lista transforma-se em tríplice no TJ/SC e um deles, em seguida, é escolhido pelo Governador.
Para o atendimento ao primeiro requisito, o candidato deve possuir um saber jurídico público, de todos conhecido. Gênios escondidos não preenchem este pressuposto. Deve o candidato, assim, ter um conhecimento jurídico admirado e reconhecido pela comunidade jurídica. Se não for o caso, não pode sequer integrar a lista.
Adiante, a reputação ilibada chama o verbo ilibar que significar purificar, retirar as nódoas, tudo apontando para o adjetivo, cujo conteúdo mais próximo é imaculada. Uma reputação sem mácula, limpa, sem maiores incidentes, sem inquéritos, sem condenações. Note-se aqui o rigor da reputação ilibada: o sujeito pode ter idoneidade moral, mas não a reputação desejada. (Lembro-me que eu e Jefferson Kravchychyn, Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, na época Presidente da OAB/SC, ajuizamos uma ação popular em face da indicação por um governador de um político para o Tribunal de Contas do Estado que possuía inúmeros inquéritos, ações civis públicas e denúncias de irregularidades de suas contas, quando fora prefeito. A liminar foi concedida e a nomeação impedida).
Por fim, os 10 anos, conforme recorrentes decisões do TSE e art. 5º do Regulamento-Geral da OAB, a efetiva atividade profissional se consubstancia na prática de 5 atos privativos de advogado por ano, além é claro dos advogados estarem no exercício da função (artigo 54, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.906/94).
Nenhum desses requisitos tem sido apurado com rigor pela OAB, hoje cada vez mais apequenada e miúda, padecendo de melancólica anemia cívica. Têm prevalecido os laços de afeto, de sangue e de amizade na composição dos quintos, afastada qualquer dignidade e fim institucionais. Não é por outra razão que, infelizmente, o Dr. Milton Baccin, Dra. Ana Cristina Ferro Blasi, Dr. Gaspar Laus, Dr. Humberto Pradi (este largou o pleito, em face do que viu) expoentes da advocacia e com longa ficha de serviços prestados a OAB ficaram de fora da primeira lista, com o claro intuito de aplainar o terreno para seus favoritos, diminuindo a lista em qualidade. Aliás, parece que tudo na OAB/SC se direciona para essas sinecuras, sendo este seu verdadeiro fim, aí se incluindo até o seu obsequioso silêncio e inação na defesa dos advogados. Mas sobre a OAB/SC o assunto já foi tratado em outra oportunidade (“O quinto, Pero Vaz de Caminha e a sombra do Príncipe”) e a perplexidade dos últimos certames deu lugar a uma tristeza acentuada.
Quando se achava que todo mal já se instalara, percebe-se que tudo pode ficar pior, com o que parece ser a interferência direta do Governador do Estado na própria formação da lista com a indicação de advogado de sua preferência dentro da OAB/SC! Na troca, antecipam-se as nomeações para o fim melancólico de seu governo, paga-se novamente a Defensoria Dativa (eterna inconstitucional mesada, rogando pela ação da Defensoria Pública e do MP) e escolhe-se o predileto da OAB/SC. Como contraprestação, na planície própria das imundícias morais, no toma-lá-dá-cá vulgar, o candidato oficial da Agronômica passeia impávido na eleição da OAB/SC na segunda lista.
Isto, sem embargo da qualidade dos favoritos e da obediências destes aos requisitos mencionados, porque não se trata aqui de menoscabo ou crítica a esses felizardos. Ingenuidade imaginar que não prevalecerão os amigos do Rei e que a vinculação e simpatia político-partidária ao Executivo não são parte inexorável do procedimento de escolha dos desembargadores do quinto constitucional. A Ministra Eliana Calmon, por exemplo, espraia a tragédia do quinto para toda a Magistratura de segundo grau e das Cortes Superiores. Todavia, as instituições e suas respectivas funções devem ser preservadas. Nunca se teve notícia, por exemplo, de que o TJ/SC tenha se imiscuído na seleção dos advogados.
Por isso, não se faz menção ao almoço dos Conselheiros da OAB/SC na véspera da votação da lista sêxtupla com o Governador ou da suposta reunião no Rio de Janeiro, denunciada pelo jornalista Canga (http://cangarubim.blogspot.com/), mas essencialmente na absoluta perda de noção do Governador do Estado e dos Conselheiros da liturgia dos cargos e funções que exercem. Os segundos pela presença indevida no animado ágape festivo e pelo gosto amargo de bajulação barata; o primeiro, pelo despudor na empreitada de escolher aqueles que vão julgá-lo e que, gratos, devem promover alguma repercussão em seu julgamento criminal futuro, decorrente de denúncia do Procurador-Geral de Justiça. Quem não gostaria de escolher aqueles que o julgarão? E isso porque não se quer dar nenhum crédito à informação de que listas de advogados circularam na lauta mesa do almoço governamental, apesar do jornalista Canga ter antecipado 4 dos 6 nomes da primeira lista, dentre mais de 20 inscritos.
Seria demais e aviltante não apenas para a advocacia, mas para aqueles advogados que, acreditando na lisura do jogo, inscreveram-se para as vagas abertas. O papel dos Conselheiros, como no último pleito, é mais uma vez lamentável, a se confirmar o aparente lamber das botas oficiais e notícias nos vários blogs – nunca desmentidas, por sinal.
O quinto, tal como está, pode bem se tornar a entrada glamourosa e festejada da corrupção no Poder Judiciário. Sim, porque a consequência clara das orquestrações espúrias, no limite da responsabilidade de cada ente, é a gratidão do beneficiado que jamais erigirá templos à virtude. Esta estima do eleito é tão maior, quanto injusta a sua nomeação, quanto pior pintor numa escolha de pintores. Daí a tornar-se cachorro de ladrão, aquele que rouba para seu dono - é um caminho curto e inexorável. Repita-se: quanto piores as qualidades do candidato e maior a injustiça, ilegalidade, aberração jurídica que devam ser feitas para prestigiá-lo, maior o risco de que vá fazer tudo para demonstrar o reconhecimento aquele adjutório providencial a seus cúmplices e proprietários. Mais dependente torna-se do imenso rabo pretérito que o acompanha. Sua humilde na refrega, como bucica encantado com um afago, dará lugar à mais cruel das violências. Não há cenário pior para o exercício sereno da judicatura, porque o pagamento pode sair na forma solene de acórdãos e liminares.
O Ministério Público Federal não irá se manifestar - a julgar pelas listas pretéritas, mesmo que haja fraude na inscrição, ou seja, candidatos que desatendem aos requisitos na lista. Aguarda-se, então, que o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina - como já fizeram o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo - realize o exame clínico dos requisitos dos candidatos e, se for o caso, devolva a lista para a OAB, como tem permitido o STF (RCL/5413, MS/27920, MS/25624), sob pena da destruição paulatina do legado do Des. Eder Graf, do Des. Marcílio Medeiros, dentre tantos outros, que o fez um dos mais respeitados tribunais do país, porque sempre cavou masmorras para os vícios dos homens.
Em contraposição a tudo isso, lembro-me de ilustre advogado escolhido pelo TJ/SC na lista tríplice e que recebeu o convite do Governador do Estado para visitá-lo no Palácio da Agronômica. Ao convite respondeu com uma surpreendente altivez: “- Governador, não temos nada para falar, porque estou aspirando a uma vaga que não pode se deixar levar pela conversa. Com todo respeito, devo declinar do convite, para poder honrar o exercício da judicatura, caso seja escolhido”. Obviamente, continua advogando e de vez em quando, indago-me do que ele é feito: talvez dignidade em excesso, talvez ingenuidade, mas teria sido certamente - um julgador com a compostura que o cargo exige, infenso à indevidas interferências.
Fpolis, 18 de novembro de 2.010.
*Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, advogado em Fpolis - peregrinoferreira@uol.com.br
L. Bocaiuva deixou um novo comentário sobre a sua postagem "O RABO PRETÉRITO DO CÃO DANADO E O QUINTO CONSTITU...": CONSTRANGEDORES CONVESCOTES - O que mais se vê na matilha são caldas assanhadas, balouçando levantadas sobre rabos e ancas debruçados à espera do `consolo` estatal. Devotam em troca, carinhosos despachos, acovardadas omissões e obsequioso silêncio.
Lamego Bocaiuva
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