terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sem maquiagem

Por Marcos Bayer

    Para os que gostam de conversar, pelo interesse na conversa, pode ser sem maquiagem. A maquiagem ajuda, enfeita e pode aumentar atração e o interesse. Mas, o que sustenta a convivência é a conversa.

    Assim também em relação às cidades e seus bairros. Em determinadas épocas bastavam às conversas entre amigos, o encontro diário, a praia, a música e o cinema. E os relacionamentos mais fraternos e verdadeiros é que carregavam comentários e malícias na proporção dos fatos. A vida passava sem maquiagem. De cara lavada.

    De repente, fruto da transformação social, da incorporação do ideal estético-sexo-olímpico-neon surge uma maquiagem total, pintando como saíra das sete cores, a alma intocável pela pasta multicolorida. Mulheres estressadas, mantidas na aparência triste da festa interminável da aceitação. Da mesma forma, pretendentes solitários e bem vestidos, entorpecidos nos limites de suas dores. Perdidos entre artefatos complexos, quase todos etiquetados por grifes mundiais, desenhados em Milão e produzidos na China.

 
    E assim, iludidos passageiramente, tanto quanto duram as fantasias, caminham cegos, com os olhos bem abertos, em direção ao breve anonimato consentido. Esquecem que só o talento, seja ele qual for, pode eternizar o homem.

    Assim acontece com as cidades. As que são eternas, entre elas Roma, Paris ou Brasília, o são e serão porque conseguem conservar aquilo que os arquitetos chamam de identidade.

    Podem ser cidades pequenas, como várias na costa mediterrânea, nos campos da Toscana ou em algumas ilhas do Caribe. Pode ser na costa do Uruguai.

    A Ilha, grande Florianópolis que um dia amparou distintos pontos, desde lagoas e praias, chácaras e bosques, cede às forças da expansão, vende seus espaços em metros quadrados de concreto e aço, aceita em sua face pastas e pós coloridos tão intensos quanto à solidão dos que transitam em suas ruas, incógnitos e extasiados com a possibilidade de habitarem numa cidade que já não consegue mais viver de cara lavada... Há muito o que esconder.

Um comentário:

  1. Gosto muito da nostalgia neste poema de Ferreira Gular, que parece ser irmão do seu texto;

    A VIDA BATE

    Não se trata do poema e sim do homem
    e sua vida
    - a mentida, a ferida, a consentida
    vida já ganha e já perdida e ganha
    outra vez.
    Não se trata do poema e sim da fome
    de vida,
    o sôfrego pulsar entre constelações
    e embrulhos, entre engulhos.
    Alguns viajam, vão
    a Nova York, a Santiago
    do Chile. Outros ficam
    mesmo na Rua da Alfândega, detrás
    de balcões e de guichês.
    Todos te buscam, facho
    de vida, escuro e claro,
    que é mais que a água na grama
    que o banho no mar, que o beijo
    na boca, mais
    que a paixão na cama.
    Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
    te acham e te perdem.
    Outros te acham e não te reconhecem
    e há os que se perdem por te achar,
    ó desatino
    ó verdade, ó fome
    de vida!

    O amor é difícil
    mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
    E estamos na cidade
    sob as nuvens e entre as águas azuis.
    A cidade. Vista do alto
    ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
    como se estivesse pronta.
    Vista do alto,
    com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
    é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
    Mas vista
    de perto,
    revela o seu túrbido presente, sua
    carnadura de pânico: as
    pessoas que vão e vêm
    que entram e saem, que passam
    sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
    sangue urbano
    movido a juros.
    São pessoas que passam sem falar
    e estão cheias de vozes
    e ruínas . És Antônio?
    És Francisco? És Mariana?
    Onde escondeste o verde
    clarão dos dias? Onde
    escondeste a vida
    que em teu olhar se apaga mal se acende?
    E passamos
    carregados de flores sufocadas.
    Mas, dentro, no coração,
    eu sei,
    a vida bate. Subterraneamente,
    a vida bate.

    Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
    sob as penas da lei,
    em teu pulso,
    a vida bate.
    E é essa clandestina esperança
    misturada ao sal do mar
    que me sustenta
    esta tarde
    debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
    na América Latina.

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