Por Marcos Bayer
Para os que gostam de conversar, pelo interesse na conversa, pode ser sem maquiagem. A maquiagem ajuda, enfeita e pode aumentar atração e o interesse. Mas, o que sustenta a convivência é a conversa.
Assim também em relação às cidades e seus bairros. Em determinadas épocas bastavam às conversas entre amigos, o encontro diário, a praia, a música e o cinema. E os relacionamentos mais fraternos e verdadeiros é que carregavam comentários e malícias na proporção dos fatos. A vida passava sem maquiagem. De cara lavada.
De repente, fruto da transformação social, da incorporação do ideal estético-sexo-olímpico-neon surge uma maquiagem total, pintando como saíra das sete cores, a alma intocável pela pasta multicolorida. Mulheres estressadas, mantidas na aparência triste da festa interminável da aceitação. Da mesma forma, pretendentes solitários e bem vestidos, entorpecidos nos limites de suas dores. Perdidos entre artefatos complexos, quase todos etiquetados por grifes mundiais, desenhados em Milão e produzidos na China.
E assim, iludidos passageiramente, tanto quanto duram as fantasias, caminham cegos, com os olhos bem abertos, em direção ao breve anonimato consentido. Esquecem que só o talento, seja ele qual for, pode eternizar o homem.
Assim acontece com as cidades. As que são eternas, entre elas Roma, Paris ou Brasília, o são e serão porque conseguem conservar aquilo que os arquitetos chamam de identidade.
Podem ser cidades pequenas, como várias na costa mediterrânea, nos campos da Toscana ou em algumas ilhas do Caribe. Pode ser na costa do Uruguai.
A Ilha, grande Florianópolis que um dia amparou distintos pontos, desde lagoas e praias, chácaras e bosques, cede às forças da expansão, vende seus espaços em metros quadrados de concreto e aço, aceita em sua face pastas e pós coloridos tão intensos quanto à solidão dos que transitam em suas ruas, incógnitos e extasiados com a possibilidade de habitarem numa cidade que já não consegue mais viver de cara lavada... Há muito o que esconder.
Gosto muito da nostalgia neste poema de Ferreira Gular, que parece ser irmão do seu texto;
ResponderExcluirA VIDA BATE
Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.