Quem tem raça é cachorro, afirma João Ubaldo Ribeiro. Eu sei: vou entrar num terreno pantanoso e polêmico.
E vou remar contra a corrente.
O STF já decidiu a questão, mas não me convenceu. O império do politicamente correto ou do paternalismo não pode abafar as vozes discordantes, e prefiro a discussão séria do tema que a desqualificação pura e simples de quem discorda da gente.
Como esclarece Cláudio Sanfront, o conceito mais comum de cotas é o de uma medida governamental que cria uma reserva de vagas em instituições públicas ou privadas para as classes sociais mais desfavorecidas. É considerada uma ação afirmativa.
"Os defensores do sistema de cotas justificam sua implantação, afirmando a necessidade desta para corrigir erros históricos como a escravidão dos negros. E se for desconsiderada essa ideia? Por exemplo: não sinta-se mais desfavorecido.Vá à luta. Não é preciso de cotas para mostrar que se pode concorrer com paridade a qualquer vaga disponível no mercado e trabalho.”
Os negros não precisam de cotas, precisam de respeito.
Precisamos - como todo brasileiro, negro ou branco - de um ensino público de qualidade.
Isso implica na valorização do professor.
Não se muda um quadro de obscena desigualdade com canetadas e paternalismo, criando uma nova espécie de racismo. Sem educação de qualidade que começa lá embaixo, não haverá paternalismo ou decreto que dê jeito.
Já se tornou um lugar-comum: sem melhorar o ensino básico e o médio - de péssima qualidade -, o problema nunca será resolvido.
Um filho de um deputado federal afrodescendente estuda em melhores colégios e faculdades do Brasil sem necessitar de cotas. Como alguém observou, as verdadeiras senzalas ficam nos grandes e pequenos lixões, nas macas dos corredores dos hospitais públicos, nas cracolândias da vida, onde brancos pobres, negro pobres ficam num regime de semiescravidão.
“Pobre é um ser discriminado por natureza, seja ele de qualquer cor, pois um coitado de um estudante branco pobre não tem cota não tem colégio público que preste e um mar de ilusões”, observou João Batista Prado Freire.
Há o racismo da condescendência de ver o negro como mais selvagem, mais bruto e menos capaz intelectualmente.
“O discurso dos movimentos raciais confirma implicitamente a tese preconceituosa da incapacidade do negro, que precisaria de ajuda externa para ascender”, observa Joel Pinheiro da Fonseca. E acrescenta: “Ao mesmo tempo, mina o esforço de melhora individual e de autocrítica, ao atribuir tudo que dá errado a um sistema perverso e invencível”. (...)
O exemplo do mérito (palavra amaldiçoada e excomungada pelo pensamento paternalista hegemônico) fala mais alto que lamúrias e coação. Não se trata de competir para saber quem foi mais historicamente injustiçado nem de negar a realidade da injustiça.
“Trata-se de identificar diferentes respostas a obstáculos e as implicações individuais e culturais que elas acarretam”.
(Em Salvador, maio de 2012)
Simone - O assunto é tão delicado que devemos nos esforçar para não tecermos comentários sem atingirmos a raiz do problema. Existe um Déficit histórico contra os negros? SIM contra quem mais? MULHERES, HOMOSSEXUAIS ,TRANSVIADOS,além de negros? Existe sim um mundo de descriminados. COTAS para negros não traz de volta a integridade de seus corpos violados, mas a educação para todos pode ensinar a todos que não devemos violar o corpo de ninguém:- Seja este, negro, pardo,Homossexual,bissexual,assassino,drogado, etc. Nesse ponto, Emanuel tem razão, a educação deve ser indistinta e apresentar qualidade para todo brasileiro que dela necessita. Ninguém, por exemplo, vai devolver a vida dos estudantes mortos e torturados pela OBAN , pelo DOPS na Ditadura militar e nem vai conseguir restituir à minha geração de 66 todo o currículo escolar adaptado para a prática do Capitalismo insano. Não há COTA de justiça que devolva aos pobres tudo que lhes foi roubado, assim como não há justiça para os músicos.
Cosmonauta - O tema é interessante, mas creio que o autor não foi feliz na sua argumentação. Ela parte de algumas premissas que são manifestamente falsas, não sustentam necessariamente a tese em questão ou até entram em contradição entre si, como a afirmação de que no Brasil "se pode concorrer com paridade a qualquer vaga disponível no mercado de trabalho" e logo em seguida uma outra afirmação dizendo que "precisamos - como todo brasileiro, negro ou branco - de um ensino público de qualidade". Ora, se todos nós precisamos de educação pública de qualidade é porque então não há igualdade no acesso universal à educação de qualidade, visto que poucos têm acesso ao ensino privado. Em qualquer país do mundo, sem essa igualdade e muitas, muitas outras, não há qualquer possibilidade de sustentar que "se pode concorrer com paridade a qualquer vaga disponível no mercado e trabalho". Isso é falso. Ainda nesse tema, o autor afirma que "sem educação de qualidade que começa lá embaixo, não haverá paternalismo
Nelson Jvlle - Uma pequena ilha de lucidez num oceano de patrulhamento. Em outros tempos, Sr. Vieira, o conglaturaria pelo texto. Hoje, faço-o também pela coragem.
Cosmonauta - O tema é interessante, mas creio que o autor não foi feliz na sua argumentação. Ela parte de algumas premissas que são manifestamente falsas, não sustentam necessariamente a tese em questão ou até entram em contradição entre si, como a afirmação de que no Brasil "se pode concorrer com paridade a qualquer vaga disponível no mercado de trabalho" e logo em seguida uma outra afirmação dizendo que "precisamos - como todo brasileiro, negro ou branco - de um ensino público de qualidade". Ora, se todos nós precisamos de educação pública de qualidade é porque então não há igualdade no acesso universal à educação de qualidade, visto que poucos têm acesso ao ensino privado. Em qualquer país do mundo, sem essa igualdade e muitas, muitas outras, não há qualquer possibilidade de sustentar que "se pode concorrer com paridade a qualquer vaga disponível no mercado e trabalho". Isso é falso. Ainda nesse tema, o autor afirma que "sem educação de qualidade que começa lá embaixo, não haverá paternalismo
Nelson Jvlle - Uma pequena ilha de lucidez num oceano de patrulhamento. Em outros tempos, Sr. Vieira, o conglaturaria pelo texto. Hoje, faço-o também pela coragem.
Perfeito o texto.
ResponderExcluirvoc~e se operaria com um cirurgião que entrou na medicina pelo sistema de cotas e não pelo mérito?
ResponderExcluirduvidoooo!!!
Ainda nesse tema, o autor afirma que "sem educação de qualidade que começa lá embaixo, não haverá paternalismo ou decreto que dê jeito". Quanto a isso, pode-se concordar, mas o emprego do termo "paternalismo" como causa do que o autor está aparentemente condenando é uma liberdade de interpretação, justamente o caso que o autor quer demonstrar, e não o faz. Por que afirmar as cotas raciais seria paternalismo e não outra coisa? Isso não está claro no texto, ao contrário, o autor toma como certo justamente o que deveria provar. Isso se chama "petição de princípio". O autor também afirma que "o discurso dos movimentos raciais confirma implicitamente a tese preconceituosa da incapacidade do negro". Para afirmar algo tão sério, ele teria que demonstrar, provar. Não o faz. Da forma como se apresenta, "o discurso dos movimentos raciais" pode confirmar qualquer coisa. Finalmente, o autor propõe "o exemplo do mérito", por si só, uma ideia altamente controversa, e que se pode relembrar aqui apenas um dos problemas dessa ideologia: não há, no Brasil, as mínimas igualdades de condições de partida e de disputa, como pressupõe a questão do mérito. E sem isso, não há meritocracia que não se torne rapidamente em uma aristocracia. Eu acredito que a melhor solução para esse tema - e na verdade para o Brasil - seria sim a melhora radical da educação básica e que, se for para haver cotas, que elas sejam sociais. Mas eu não acredito nisso nos mesmos termos tão cheios de senso comum do autor.
ResponderExcluirO Cosmonauta flutuou no éter da maionese!!!
ResponderExcluirEverton