domingo, 20 de maio de 2012

BORGES

Emanuel Medeiros Vieira

É vasta a nossa população de mortos.
O mundo, Borges,
infinita biblioteca, além – é claro – de tigres,
espelhos, labirintos, punhais, livros, proféticos
sonhos, Homero, Camões, outros cegos – você,
a sombra enaltecida não é sombra,
claridade de alguns labirintos,
portas, enigmas decifrados,
alta capacidade mnemônica.

Somos poucos, somos tão poucos,
e parecemos muitos.
“Alguém constrói Deus na penumbra”, escreves
sobre Spinoza.
Amor?
É o Espírito Santo que nos escreve?
A literatura como sedução/invenção: a vida só não
basta.

Irmão: fazedor de enigmas,
decifrador de espelhos,
contemplador de tigres,
este punhal que manejo agora: a construção do
poema.
Nada podemos contra a solidão?
Shakespeare, Cervantes, Stevenson, “As Mil e Uma
Noites”, a Bíblia, e toda as obras desta estirpe de
mortos, mas que não inventam o silêncio: estão aqui

nos livros lemos.

Somos poucos, mestre, somos tão poucos, mas não
sozinhos,
parecemos muitos.
Estás junto aqui, agora, comigo,
neste maio,
luminosa manhã planaltina
(poderia ser uma rua perdida de Buenos Aires, ou da
Bahia, onde começamos).

Sim, é vasta a nossa população de mortos,
Só queria pressentir tua alma,
descobrir meus inquietos córregos, pântanos.

Iluminas o breu, mágico cego,
singrando por outros mares,
sem portulanos, astrolábios,
também breve a vida,
vejo intrusos, lugares remotos, mapas de
fronteira, duelos, a morte na poeira,
ruínas e renascimento, sombras dentro de sombras:
este sol interior.

O mais pródigo amor te foi outorgado
(como te referiste a Baruch Spinoza):
o amor que não espera ser amado.


*Este poema obteve o 1° Lugar no Concurso Literário “Prosa & Verso”, certame de
âmbito Nacional promovido pela Universidade e pela Prefeitura de Caxias do Sul, RS. O mesmo texto – concorrendo com 751 trabalhos – foi classificado entre os 10 primeiros no Festival de Poesia promovido pela Funarte, Brasília.

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