Há dias tem umas imagens roendo o meu cérebro. Aconteceram três dias atrás. Acordei no meio da madrugada, chovia pra cacete e com todo o respeito pela natureza, não estava mais agüentando aquelas goteiras ao redor da minha cama. Mas o que me havia despertado não fora a chuva, e sim um texto. É isso mesmo um texto que eu acabara de ler. Fazia muito tempo que algo escrito não me impressionava tanto. Era um texto curto e estava entre outros dois em uma coluna cercada de um jornal tablóide, o conjunto dos três ocupava apenas meia página. Explico:
Uma mulher vestida de calça e jaqueta jeans estava sentada ao meu lado. Não consigo distinguir o rosto, mas como ninguém sonha com o que não conhece, ela lembrava alguém que andou lá na editora Paralelo 27 no início dos anos 1990. Na verdade isso não tem a menor importância a não ser pelo que se verá. Ela pôs o jornal em minhas mãos e pediu para eu ler. Interessante, na medida em que ia lendo, o meu corpo ia inclinando-se para frente. Descartei logo o texto da esquerda; o da direita parecia uma fotografia de algo escrito numa página pautada de um caderno escolar, de leitura difícil, teria que usar uma lupa ou então ampliá-lo, não perdi tempo, e finalmente, o texto que me impressionara. Li cada parágrafo extasiado, mais de uma vez... Ao redor havia uma confusão, tiros e muitas pessoas gritando e falando ao mesmo tempo, eu queria pedir para que parassem com aquilo, mas não dava. Começava a ler o texto, todas as vezes que terminava de ler um parágrafo, voltava para ler o anterior senão não havia continuidade na leitura. Depois de certo tempo, já com o tronco em 45º me apoiei com a mão direita na perna da mulher, ela tirou delicadamente a minha mão de sua coxa e pedi desculpas. Depois me dei conta do gesto, pensei, mas será que ela não percebe que estou caindo, foi quando ela me chamou atenção para a camisa, estava virada do avesso e estendida à minha esquerda, disse “que cor azul bonita”, deixei o jornal de lado e este também pareceu estar invertido, como se o papel fosse transparente e o texto que eu tanto apreciara estivesse impresso no verso, mas dava para percebê-lo assim mesmo. Comento que aquela camisa é uma La Coste, está mais para um cinza escuro que para o azul. Ela me olha surpresa. Digo, sei por que tem um jacaré ali no lado do coração, tenho uma igual, aliás, não sei se não é a minha que está se aposentando, está surradinha a coitada.
Aí queria resgatar o texto. Não ia ficar sem aquele texto, já era uma obsessão. Pensei em escaneá-lo e depois era só clicar ali e o texto apareceria. Fiz tudo como planejei, no primeiro clic apareceu um ideograma chinês. Estranho, pensei, cliquei novamente e apareceu outro ideograma, diferente do primeiro. Repeti a operação e então, sim, o texto apareceu integralmente, bonito, apenas estava estendido, quase na horizontal com os meus olhos, não dava para lê-lo, toquei na folha do jornal e as letras começaram a se juntar lentamente numa coreografia de danados... Estava pensando em Augusto dos Anjos quando acordei.
Preciso por esse texto no papel, pensei, mas na exata medida em que estava racionalizando as idéias o texto também ia desaparecendo. Tornei a dormir como se não tivesse acontecido nada, talvez voltasse para o mesmo sonho, já acontecera antes, mas qual nada.
Agora, caro leitor, lembrei do Woody Allen quando afirmou “Fiz um curso de leitura dinâmica e Li “Guerra e Paz” em vinte minutos. Têm a ver com a Rússia”.
Sim porque se me perguntarem sobre esse texto que li, que me deixou assombrado, melhor, extasiado, a ponto de ter de escrever sobre ele, mesmo que ele pareça nunca ter existido, se insistirem, direi: “tinha a ver com a vida”!
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